Projeto Stressless apalpou o pulso a nove países europeus e verificou que os docentes portugueses andam stressados e próximos do burnout. No próximo ano, será lançado um guia prático para aumentar a resistência de quem ensina.
O Projeto StressLess - Promovendo a Resiliência dos Educadores ao Stress envolve nove países europeus com o grande objetivo de lançar um guia prático de intervenção que intensifique a resistência dos profissionais do sistema educativo ao stress e, ao mesmo tempo, reforce competências de quem ensina. Os primeiros passos foram dados em novembro de 2010 e o projeto estará concluído em outubro de 2012. Uma iniciativa promovida pela Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI), ao abrigo do Programa Aprendizagem ao Longo da Vida.
Antes de elaborar o guia, o Stressless quer saber o que se passa nos países que tem debaixo de olho e perceber quais as reais necessidades de quem trabalha no ensino e na formação. Nesse sentido, foram realizados 660 inquéritos a educadores e professores de nove países - Portugal, República Checa, Reino Unido, Grécia, Letónia, Bélgica, Holanda, Eslovénia e Suíça - e 50 entrevistas a gestores de instituições de ensino e de formação. Ao todo, 38% dos inquiridos trabalham no sistema educativo há mais de 20 anos.
O Stressless quer apostar em novas soluções que permitam ao seu público-alvo gerir o aumento da pressão social sentida no sistema educacional, bem como o stress relacionado com o trabalho.
Perguntas feitas, questionários preenchidos, entrevistas realizadas. Os resultados já são conhecidos. Costuma deixar trabalho em atraso? O seu trabalho permite-lhe aprender coisas novas? O seu trabalho é reconhecido e apreciado pelas chefias? Com que frequência se sente exausto? Estas foram algumas das questões lançadas.
Em Portugal, foram feitos 76 questionários a educadores e professores: 31,8% do Secundário, 27,3% educadores de instituições de ensino profissional e de educação de adultos e 16,7% professores do 1.º ciclo. E 36,4% tinham mais de 20 anos de experiência no sistema de ensino.
No que diz respeito ao burnout, palavra que se usa para descrever o estado-limite de stress associado ao trabalho, Portugal surge em primeiro lugar com um resultado médio de cinco pontos numa escala de 0 a 8. Letónia e Eslovénia também apresentam resultados elevados. República Checa, Reino Unido e Suíça têm menos níveis de burnout.
No stress, Portugal volta a ficar à frente com uma média próxima dos 4,5 pontos, numa escala de 0 a 8, seguido da Eslovénia e Suíça. Neste item, Reino Unido, República Checa e Holanda apresentam os valores mais baixos. Também no conflito entre trabalho e família, o nosso país volta a apresentar os valores mais altos, a par com a Letónia e a Eslovénia e distante da República Checa, Grécia e Reino Unido. Numa escala de 0 a 6, 75% dos inquiridos portugueses situavam-se entre os quatro e os seis pontos.
"É interessante notar que enquanto os estabelecimentos da República Checa e Portugal se encontram entre aqueles onde mais frequentemente se identificaram as causas para o stress relacionado com o trabalho (especialmente relacionadas com aspetos individuais), estes países encontravam-se abaixo da média no que se referiu à existência de procedimentos preventivos", indica o relatório do Stressless.
Dos 76 educadores e professores portugueses inquiridos, 10,5% referem ter estado expostos a ameaças de violência no seu ambiente de trabalho nos 12 meses anteriores à realização do questionário. Por outro lado, 6,6% disseram ter sido vítimas de bullying e 2,6% de assédio sexual. Não houve relatos de violência física. A maioria estava satisfeita com o seu trabalho e garantia que a saúde estava boa nas quatro semanas anteriores ao inquérito.
No Reino Unido, as percentagens disparam pelas piores razões. Nos questionários, 68,3% dos professores responderam que tinham sentido na pele a violência física nos últimos 12 meses, 61% revelaram que tinham recebido ameaças de violência, 58,5% foram assediados sexualmente e 51,2% vítimas de bullying.
Na Holanda, as ameaças de violência afetaram 9,5% dos professores, 6,3% tinham sido vítimas de bullying, 4,7% de violência física e 3,2% de assédio sexual. Na Eslovénia, o bullying assume proporções preocupantes: 22,4% dos professores sentiram essa pressão. Além disso, 14,2% garantem ter sido ameaçados fisicamente, 6,7% contam que foram vítimas de violência física e 4,5% de assédio sexual.
"Desordens depressivas"
Em Portugal, foram entrevistados seis gestores de estabelecimentos de ensino: três de agrupamentos verticais escolares, um de uma escola primária e secundária e dois de organizações de formação.
No que diz respeito ao stress, numa escala de 0 a 10, os gestores dos agrupamentos verticais garantiram que essa sensação se enquadra num intervalo de sete a 10, o gestor da escola primária e secundária colocou o stress em sete pontos e os restantes dois entre seis e oito pontos.
Os comentários dos gestores portugueses dão uma ideia do que se passa nas escolas. "O aumento do stress e da ansiedade agravou subsequentemente a predisposição para estar de mau humor. Trata-se de um círculo vicioso que afeta os professores tanto como os alunos". O cansaço e a falta de tempo dos docentes são também questões que não passam despercebidas. "... falamos com as pessoas e sentimos que estão completamente cansadas, irritadas, de mau humor... toda a comunicação torna-se um bocado esquizofrénica entre pares.
Por sua vez, o diálogo com os funcionários é quase inexistente, é distante, e os professores deixaram de ver os funcionários como parceiros. Creio que a nível pessoal os professores se sintam muito infelizes e que vão para casa e continuem a falar sobre a escola, sobre os alunos, os testes...".
Os gestores referem, com frequência, uma elevada carga de trabalho nas escolas. Menos tempo para as tarefas pedagógicas por causa do aumento das atividades burocráticas. Mais reuniões, reuniões mais longas, mais tarefas administrativas. "Não se utiliza muito a palavra stress no discurso regular da escola. Os termos mais comuns são: 'estou a ficar doido!', 'não aguento mais isto!', 'um destes dias peço licença e vou para casa' e parecem estar todos relacionados com o stress", diz um dos gestores. "Choram no ombro uns dos outros e as desordens depressivas são cada vez mais comuns entre os professores. As pessoas sentem-se desgastadas e escolheram não investir mais", acrescenta.
E nem os intervalos servem para descomprimir, para relaxar, para recuperar o fôlego. Um gestor conta o que vê. "Durante esses intervalos, vejo muitos professores a correrem de um lado para o outro, procurando tratar dos assuntos. Muitas vezes, os professores são forçados a permanecer, quando podem, uma ou duas horas extra na escola, perdendo tempo que era para estar com a sua família".
"Temos uma nova patologia específica dos professores: não têm tempo, um dia tem apenas 24 horas". Mesmo assim, os gestores sentem que há alguma motivação e empenho. "Não podemos dizer que os professores estejam menos motivados para trabalhar. Mas nota-se que se sentem cada vez mais descrentes na eficácia do seu trabalho". "O espírito de missão e a predisposição que havia para o ensino estão a desaparecer na nossa escola".
Fonte: http://www.educare.pt/
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