Bom dia para a minha querida amiga que lançou mais um livro no Rio de Janeiro e eu não estava lá!!!
Indico vivamente esta obra. Há muita história interessante e um grande sentido de humor da Regina.
Livro DO PORTO AO RECIFE - OS PINTO DE LEMOS
Lançamento realizado no Rio de Janeiro em 25-10.
Vários dos presentes pediram cópia do poema final ou mesmo de toda a fala
que Clotilde de Santa Cruz Tavares - paraibana de Campina Grande e residente
em João Pessoa, que veio ao Rio para a festa de lançamento do livro - fez na
ocasião e que encantou a todos.
Mesmo que possa parecer grande, é muito interessante
e tenham a certeza de que vale a pena ser lida. Clotilde Tavares é medica,
professora universitária, autora teatral, poetisa, cronista, e mais uma porção de coisas...
Fala de Clotilde Tavares no evento de lançamento do livro de Regina Cascão, Do Porto ao Recife- Os Pinto de Lemos, no Rio de Janeiro, a 25 de outubro de 2008.
Meus amigos,
Convidada que fui para falar neste evento, convite que atribuo mais à afinidade que me une à nossa homenageada de hoje – Regina Cascão Viana – do que ao meu conhecimento genealógico, quero iniciar com uma frase do Padre Antonio Vieira, proferida no Sermão da 5ª Terça feira da Quaresma.
Palavras de Vieira: “São João diz que no tempo em que os anjos no Céu estavam cantando os louvores de Deus, se fez lá pausa e silêncio pelo espaço de meia hora para se ouvirem as vozes da terra”. Eu farei por não exceder esta meia hora, uma vez que depois dela os anjos voltam a cantar e nós aqui em baixo elevaremos nossas vozes em vão.
Começo com um poema:
— O meu nome é Severino
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
(João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina.)
O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, neste versos imortais com que abre o poema Morte e Vida Severina, dentro da simplicidade da sua poesia, cortante e pura como a lâmina de uma faca, estabelece os princípios da Genealogia.
Quem sou, onde nasci, quem são meus ancestrais, quando nasceram, onde moraram e viveram.
Mas o que é a genealogia? Para que serve? Como somos levados a praticá-la? Fazemos um curso? Uma faculdade de Genealogia?
Quem é o genealogista? Quais as características especiais que alguém precisa ter para se dedicar a essa atividade? Quais os pré-requisitos?
E por que as pessoas que não são genealogistas, ou que não têm essa paixão, não nos compreendem? Por que essas pessoas consideram o que fazemos como “mania de gente velha”, “diversão que mamãe arranjou depois de aposentada”, “sumidouro de tempo e de dinheiro”, “mania de viver dentro de cemitérios”, “viciada em papel velho e empoeirado”, e outras definições, todas essas eu já tendo ouvido da boca dos meus amigos e familiares?
As pessoas sempre estão querendo saber para que serve isso tudo. No mundo utilitário em que vivemos, é inaceitável dedicar-se a uma atividade que não tenha um tipo de retorno palpável e concreto, e melhor ainda se for em forma de dinheiro. Ouro e glória, dólares e fama, euros e notoriedade, quem desprezaria a busca desse binômio que a Humanidade persegue há séculos?
Quem abandonaria o brilho dos refletores, as conferências bem remuneradas, o reconhecimento da academia, a escrita de livros que todos compram, as filas de autógrafos nas bienais do livro, ou a fama no universo da Internet? Quem deixaria de ir nas férias às grandes cidades do mundo para, ao contrário, mergulhar nas pequenas freguesias perdidas no interior do Brasil, Portugal, Itália, à procura de elos familiares perdidos?
Quem publicaria com dinheiro do próprio bolso livros com listas e mais listas de nomes de pessoas que já morreram (com índice onomástico no final, é claro), livros que só meia dúzia de doidos como o próprio escritor compram e lêem?
Quem deixaria de sentir a solidão da meia-idade para povoá-la não com gente viva, mas com gente já morta e enterrada, já tornada pó, e permitir que essas pessoas criassem novamente vida, alma, pensamentos, sonhos e projetos?
Nós, Genealogistas, fazemos tudo isso. Somos nós, essas criaturas, meus caros presentes.
E deixem-me contar como foi que me tornei genealogista.
Uma das coisas que eu mais gostava no meu tempo de menina era de ouvir as histórias contadas sobre o tempo em que Mamãe era jovem, era criança, e morava na fazenda. A fazenda ora era a Broca, em Angelim, ora era Boqueirão, em Caraúbas, na Paraíba.
As histórias, os personagens, excitavam minha curiosidade e me lembro de que queria muito saber quem eram essas pessoas de quem Mamãe falava. Falava-se em tia Emília e eu perguntava:
– Tia por quê?
– Porque era irmã de papai – ela respondia.
E eu ia compondo o quadro. Pepedro, meu avô, pai de Mamãe, irmão de tia Emília, de tio Bebiano, de tio Azarias...
Aí Mamãe dizia:
– Não, tio Azarias não era irmão de papai, era irmão de meu avô Teotônio.
– E o irmão do avô também é tio, Mamãe?
– É – respondia ela. E explicava: – Tio-avô.
– E o que Madrinhadal é da senhora, Mamãe?
– É minha irmã mais velha. O nome dela é Adalgisa, mas a gente chama Adal. Madrinha Adal. Ela é sua tia. É minha irmã e é também minha madrinha porque como eu sou a sétima filha tive que ser afilhada da mais velha para não virar lobisomem.
– E as pessoas viram lobisomem? – perguntava eu.
– Viram sim!
E a voz de Mamãe ganhava um tom sério, dramático, quase religioso.
– Na noite de Lua cheia a pessoa vai dormir e no outro dia acorda todo suja de lama, de terra, cansada, não se lembra de nada. É que virou lobisomem de noite, e passou a noite correndo pelos matos. Mas só quem vira é o sétimo filho...
– E a senhora nunca virou?
– Não! Eu não já disse a você que sou afilhada de Madrinha Adal? Não tem o menor perigo.
– E eu vou virar lobisomem também?
– Oxente, menina! Não vai não. Você é a mais velha...
Eram assim as histórias. Nas noites sem televisão da minha infância, o mundo ia sendo explicado, traduzido, decodificado, cheio de informações. Parentesco, costumes, tradições, rituais, normas de estar no mundo, no mundo da cidade, em que eu morava, em Campina Grande, na Paraíba, mas sob o código sertanejo-caririzeiro de Mamãe, que tinha suas raízes profundamente plantadas no caldo cultural daquelas regiões.
Na adolescência, lendo todos os livros que havia em casa, e eram muitos, casualmente abri “Pedaços da História da Paraíba”, de Cristino Pimentel . Folheando suas grossas páginas, um nome me chamou a atenção: Santa Cruz. O livro referia-se ao Dr. Augusto Santa Cruz, um advogado, e falava de uma briga desse homem com os poderosos da terra, sendo ele próprio também um rico e poderoso fazendeiro.
Eu não entendi a história direito, mas ele tinha o mesmo sobrenome que eu: Santa Cruz.
Perguntei logo a Mamãe se aquele homem era nosso parente. Ela respondeu que era primo, primo da mãe dela. Então é parente meu também, pensei, e fiquei me sentindo importante porque um parente meu tinha sua história contada num livro.
A curiosidade ficou comigo ao longo dos anos, junto com o gosto pelas linhagens e parentescos que voltei a descobrir quando, já adulta, no métier teatral, estudei as chamadas “peças Bolingbroke”, de autoria de W. Shakespeare, com todas as intrincadas relações de parentesco entre os reis da Inglaterra. Era o aspecto mais fascinante daquele estudo, e entretinha-me a desenhar as árvores genealógicas Tudor, Lancaster, York e Plantageneta.
Nunca consegui resistir a um livro onde houvesse uma história que se desenrolasse através de gerações. “Cem anos de Solidão” de Gabriel Garcia Márquez, com seu interminável desfile de Aurelianos e José Arcadios, e Anne Rice, autora de “Entrevista com o Vampiro”, com suas histórias sobre as bruxas Mayfair, me deram abundante material para exercitar minha capacidade de destrinchar parentescos.
Enquanto isso, a vida seguia seu curso, e eu tinha que estudar, trabalhar, dar aulas, criar os filhos, fazer teatro, escrever, pesquisar, viver.
As perguntas, porém, continuavam, latentes.
Em 2000, quando já me aproximava da aposentadoria, comecei a conversar com as pessoas da família, poucas, as mais velhas, que ainda eram vivas, e a juntar documentos, fotos e papéis.
Conheci melhor a região do Cariri Paraibano, de onde vinham meus antepassados mais recentes e aprendi a amar aquele torrão mais ainda, do qual disse uma vez:
Desde o século dezenove
Que meu povo vive aqui
Como velhas baraúnas
Plantadas no Cariri
Homens de têmpera forte
Mulheres de altivo porte
Foi desse clã que eu nasci.
Coronel João Santa Cruz
De Alagoa do Monteiro
Foi o meu antepassado
Que chegou aqui primeiro
Depois Teotônio, um sobrinho
Veio ser o seu vizinho
Ali fez seu paradeiro.
Teotônio era mascate
Homeopata e curador
Foi radicado na Prata
E corria o interior
Pai da minha avó Inez
E filhas teve mais três
Foi ele o meu bisavô.
Inez, na era de doze
Casou com Pedro Quirino
Viveram em Coxixola
Criando gado e menino
São meus troncos ancestrais
E existem muitos mais
Neste solo nordestino.
Comecei a montar o quadro da minha ascendência, mas encontrei dificuldades que, na época, não consegui superar. Foi aí que descobri não a genealogia, mas os genealogistas.
E onde eu os descobri? Na Internet, onde, na ânsia de aprender alguma coisa sobre Genealogia, comecei a navegar pelos sites, e a ler coisas interessantes. Assinei umas três listas de discussão sobre o tema e fiquei somente lendo as mensagens, para entender que tipo de gente era aquela, que passava anos cascavilhando até descobrir o nome de uma bisavó, ou de um tetravô desaparecido nas sombras do passado. Surpreendentemente, comecei a achar essas pessoas muito parecidas comigo.
Se inicialmente eu estava perdida em denso nevoeiro, sem enxergar os caminhos à minha frente, e sem sequer saber se existiam tais caminhos, a freqüência às listas foi como se o sol se levantasse sobre a paisagem e expulsasse a névoa, espantasse a bruma, lançando luz sobre os campos e indicando os caminhos.
.
Aos pouquinhos, comecei a intuir por onde deveria ir e ainda com muita timidez, atrevi-me a fazer minhas primeiras interferências nas listas de discussão, fazendo perguntas e até me metendo a esclarecer algumas coisas, quando achava que podia ajudar.
Fui descobrindo meu passado, minha ancestralidade, e a cada novo achado me sentia mais gente, me sentia mais ligada. Descobri que além de Santa Cruz Tavares, que são meus sobrenomes, eu também era Quirino Ferreira, Vasconcelos, Salgado, Duarte, Reinaux, Oliveira, Silva Tavares, Nunes, Pereira, e sabe-se lá quantos mais que ainda não consegui descobrir.
E também fui conhecendo as pessoas, algumas das quais vejo hoje aqui pela primeira vez, e que não só me orientaram como me brindaram, me presentearam com sua amizade e seu carinho.
A amizade dessas pessoas enriquece a minha vida. Hoje, graças a elas, a pesquisa das minhas origens Santa Cruz está bem avançada e orientada, e eu quero nomear algumas, mesmo correndo o risco de esquecer uma ou outra. Pedro Auler, Gustavo Lemos, Carlos Barata, Francisco Antonio Doria, Cinara Jorge, Fábio Arruda Lima, Leila Ossola, Ricardo Lobo, Dulce Loyola, Aristóteles Rodrigues, o “Tote”, Laura Saint-Brissson, Letícia Melo e a homenageada desta noite, a nossa Owner, Moderadora da lista Geneal-BR, Regina Cascão, mais conhecida entre os listeiros como “Dona Maroquinha”.
Mas eu quero terminar
Repetindo uma cantiga
Que eu fiz um dia desses
Para essa minha amiga
Que hoje lança esse livro
Sem inveja e sem intriga
Livro muito especial
E essa verdade me obriga
A fazer seu elogio
Tomara que eu consiga
É sobre os Pinto de Lemos
Família nobre e antiga
Do Porto até o Recife
Saga dos Pinto de Lemos
Mostra completa pesquisa
Do início aos extremos
Podemos fazer igual
Mais bem feito não podemos
Pois a grande experiência
Desta autora que conhecemos
E o saber genealógico
Que com Regina aprendemos
Enriquece a nossa vida
Aumenta aquilo que temos
Honra a Genealogia
Coisa que todos sabemos
O seu livro anterior
Sobre o Clã Pereira Lima
Trazia deste a semente
A sua matéria prima
Livros bem feitos demais
Com minúcia e com estima
Dados sérios, confiáveis
Qual prolífica vindima
Fotos, dados, certidões
Datas abaixo e acima
E com índice onomástico
Que quem consulta, se anima
Pois encontra os seus parentes
Sem alterar o seu clima.
Mas é preciso falar
Nesta amiga tão bacana
Repetindo a louvação
Que fiz em outra semana
Como sou fraca poeta
Minha inspiração é plana
Que isso não desmereça
A poesia paraibana
Que tento representar
Com esforço e muita gana
Mas voltarei a louvar
Regina Cascão Viana
Num dia em que a natureza
Em belezas se engalana
Pois hoje o dia é melhor
Do que os outros da semana
Geneais estão em festa
Louvando esta veterana
Nasceu dos Pereira Lima
Estirpe de quem se ufana
Mas antes veio o José
Lá da terra lusitana
Casar com Rita Florência
Beldade pernambucana.
Ela é mais que nossa amiga
É nossa querida mana
Não é mestra ou contra-mestra
Mas é de todos, Diana
Porém é preciso ter
Cuidado com essa Fulana
Falou besteira na lista
Onde é Owner e soberana
Vai pro caroço de milho
De joelhos uma semana
Pois a dona Maroquinha
É feroz qual caninana
Mas é brincadeira, amigos
Eu falo dessa Fulana
Com a gratidão no peito
E a lágrima na pestana
Pois é minha grande amiga
A quem eu elevo hosana
E como não bebo o álcool
O meu brinde é com tisana
Feita com capim cidreira
Ou com folha de lantana
Neste dia especial
O mundo fica bacana
E todos nós seus amigos
Somos uma caravana
De amor e de respeito
Para saudar nossa mana
Perca o amor do dinheiro
Deixe de ser muquirana
E compre logo o seu livro
Que tem preço de banana
Barato assim nunca vi
Nem em Feira de Santana.
Neste tarde de autógrafos
Viva nossa arqui-decana
Que escreva mais e mais livros
Que escreva um por semana
Brilhando em genealogia
Como estrela soberana
Sempre amiga, prestimosa
Sempre terna, sempre humana
E todos que aqui estão
Com brilho que não se empana
Repetem vivas a ela:
- Regina Cascão Viana!
Clotilde de Santa Cruz Tavares - 25.10.2008