Beatriz Breves é uma psicóloga e psicanalista carioca de 58 anos,
acostumada a lidar com as angústias das vidas de seus pacientes e tendo
sua própria personalidade formada com uma estrutura emocional bastante
sólida.
Mas toda a experiência que lhe rendeu essa espécie de escudo
caiu por terra quando Beatriz foi atacada no Facebook por milhares de
pessoas que, mesmo sem a conhecerem, “vomitavam” puro ódio contra a
profissional. Sua vida, sua profissão, seus projetos e sonhos se viram
destruídos.
Depois de um período nebuloso, ela encontrou na escrita uma
forma de superar o que passou e alertar outras pessoas sobre a prática
do ciberbullying e a ação dos haters e trolls na internet.
O resultado
foi o lançamento do livro “A maldade humana – Como detonar uma pessoa no
Facebook”.
O fato que Beatriz narra na obra literária se passou em 2013, logo
após ela deixar de ser síndica de um condomínio com cerca de 1.200
moradores, em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro. “Havia um grupo de
pessoas que fazia muita sujeira com os gatos no play do condomínio.
Eu,
enquanto síndica, proibi essa sujeirada. Eu tenho 15 gatos; na época
tinha 16. Mas arranjei um cantinho para colocar comida para os gatos.
Elas não aceitaram e ficaram revoltadas comigo. Quando deixei de ser
síndica, elas abusaram e voltaram com a sujeira.
Um dia, fiquei com
raiva, é verdade, e rasguei uma caixa de papelão e pisei em uns potes.
Mas não havia gato nem ninguém lá. Isso virou um assunto de que eu teria
pisoteado uma gata cega e velha no colo de uma senhora idosa, e que a
gata convulsionou e a senhora passou mal. Foi isso o que foi para a
internet.”
A partir de uma postagem que o filho da tal senhora publicou no
Facebook, iniciaram-se os ataques a Beatriz. “Tem que denunciar essa
louca varrida”, dizia um internauta. “Daria uma porrada nessa mulher até
ela não poder levantar mais! FDP!”, esbravejada outro comentário.
“Identifique. Na hora de bater, bateu; na hora de colocar foto não
pode?”, pedia outro usuário da rede social. Durante dez dias, Beatriz
recebeu mais de mil postagens que a atacavam com um ódio que a deixou
desnorteada.
Ao final da história, ela conseguiu provar na Justiça sua
inocência, e o autor da postagem inicial foi condenado a pagar R$ 1 mil a
uma instituição que cuida de animais abandonados. Muitos dos
internautas que ajudaram a disseminar o ódio na rede social podem nem
mais lembrar dos comentários que fizeram. Mas as marcas que o fato
deixou na psicóloga nunca vão ser esquecidos por ela.
“O que me chamou a atenção foram as milhares de pessoas que não me
conheciam, entraram na história e queriam acabar comigo”. Foi então que
Beatriz resolveu convidar uma amiga, a também psicóloga Virginia
Sampaio, a escrever um livro. “Era uma maneira que eu tinha de elaborar
aquela história.”
Em sua pesquisa, as psicólogas traçaram o perfil dos chamados haters e
trolls. Os primeiros são pessoas que, estando por detrás do seus
computadores, se sentem confortáveis para odiarem a tudo e a todos.
São
essencialmente do contra. Sua diversão, explica Beatriz, é atacar a
opinião do outro, sem se importar se acredita ou não naquilo que está
falando. Já os trolls se divertem com o simples fato de estarem
manipulando, irritando ou provocando grandes brigas entre pessoas.
Tendem, sistematicamente, a desestabilizar uma discussão, provocar e
enfurecer as pessoas envolvidas. “Nem todo hater é um troll. Mas todo
troll é um hater, porque ele carrega dentro de si um ódio, porém é mais
sofisticado, usa de táticas e técnicas para chegar a sua vítima.”
O mito do ‘homem bom’
Beatriz explica que, até então, a maior parte dos pesquisadores
enxergava a maldade como uma psicopatologia. Mas cada vez mais essa
visão tem caído por terra. “A maldade está dentro de todo mundo. É o
livre arbítrio que te faz escolher ser cruel ou não. Essas pessoas que
me atacaram são pessoas que trabalham, estudam, têm família, produzem
bastante. Se olha, não diz que elas são capazes de fazer isso, porque
são pessoas capazes de fazer atos extremamente amorosos também.”
Nesse cenário, a psicóloga acredita que a internet, por ainda ser um
território muito livre, facilita as ações de trolls e haters. “Você liga
seu computador, xinga, ataca, destrói e nem tem noção do dano que está
fazendo para aquela outra pessoa que você não está nem vendo. As redes
sociais favorecem muito isso. Não que elas sejam a causa. Apenas são um
veículo melhor para expressar esses tipos de coisas que são humanas.”
Para os pais, ela deixa o alerta da importância de monitorarem as
ações dos filhos na internet.
Não são raros os casos de crianças e
adolescentes que se isolam ou até se suicidam após serem vítimas de
ataques de ódio. “As pessoas ficam com medo só em relação aos sites
pornôs. Mas têm questões muito graves acontecendo nas relações entre as
pessoas.
E muitos dos trolls e haters são adolescentes.”
Para a
psicóloga, a discussão sobre o tema e a disseminação de informações
podem ajudar as vítimas do ciberbullying a identificarem as ações dos
haters e trolls e, com isso, buscarem proteção.