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segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Pela primeira vez, a ciência conseguiu provar que o exercício físico aumenta a capacidade cerebral

Mais ágeis. Mais fortes e, sobretudo, mais inteligentes. Pela primeira vez, a ciência conseguiu provar que o exercício físico aumenta a capacidade cere­bral e pode ser uma arma no combate à doença de Alzheimer. Mas ainda não foi inventado o «comprimido para fazer ginástica». Por isso, mexa-se!
O cliché do atleta idiota nunca pareceu justo a Charles Hillman. Sendo ele próprio um atleta, joga hóquei no gelo quatro vezes por semana e quando não está a interceptar os seus adversários, está a dar à sua mente um exercício semelhante no laboratório de Neurociência e Cinesiologia na Universidade do Illinois, nos Estados Unidos. Na sua cadeira, quase todos os semestres, segundo diz, a equipa feminina de corta-mato tinha melhores resultados nos exames. Por essa razão, começou a interrogar-se se não haveria uma ligação vital e até agora negligenciada entre músculos e miolos. Com a ajuda de colegas, reuniu 259 alunos do terceiro e do quinto ano, mediu o seu índice de massa corporal e pô-los a fazer exercícios clássicos de Educação Física: alongamentos, corrida rápida, flexões e abdominais cronometrados. Depois, comparou as capacidades físicas com as notas em Matemática e em Interpretação num exame normalizado a nível nacional. Como previsto, na globalidade, os jovens com mais preparação física eram também os que apresentavam maior desenvolvimento intelectual, mesmo quando factores como o estatuto socioeconómico eram tidos em conta. O desporto, concluiu Hillman, pode de facto estimular o intelecto dos estudantes.
O estudo de Hillman faz parte de um movimento científico recente e em rápido crescimento que defende que o exercício físico pode tornar as pessoas mais inteligentes. No final do mês passado, numa comunicação que já é uma referência, alguns investigadores anunciaram que tinham induzido o cérebro humano a produzir novas células nervosas, processo que durante décadas se julgara impossível, ao sujeitarem durante três meses um grupo de pessoas a um regime vigoroso de exercícios aeróbi-cos. Outros cientistas descobriram que o exercício físico enérgico pode levar as células nervosas mais velhas a formar teias interligadas que fazem o cérebro funcionar com maior velocidade e eficácia. E há indícios de que a actividade física pode protelar o início da doença de Alzheimer, do TDAH (Transtorno do défice de atenção com hi-peractividade) e de outras doenças cogniti­vas. Segundo parece, qualquer que seja a nossa idade, um corpo activo é crucial para manter uma mente forte e ágil.
Os cientistas sempre suspeitaram disso, embora não o conseguissem provar. A ideia do «atleta-académico» remonta à cultura da Grécia antiga, onde «a boa forma física era quase tão importante como o conhecimento», diz John Ratey, de Harvard. Os gregos eram obcecados pela «ligação corpo-mente». E talvez tenham intuído o princípio básico de que o xercício ajuda o coração a bombear sangue para o cérebro, juntamente com o resto do corpo. Mais sangue significa mais oxigénio e portanto células cerebrais bem alimentadas. Durante décadas foi a única ligação entre destreza atlética e mental que a ciência conseguiu demosntrar com algum grau de certeza.
Contudo, munidos agora de instrumentos de imagiologia cerebral e de um entendimento sofisticado da bioquimica, os investigadores comprendem que os efeitos mentais do exercício são mais profundos e complexos do que se pensava. O processo inicia-se nos músculos. De cada vez que um bíceps ou quadricips se contrai, liberta substâncias químicas, incluindo uma proteína que entra no cérebro e aí assume o papel de capataz na fábrica de neirotróficos derivado do cérebro ou BDNF. Ratey, autor do libro Spark: The Revoluconary New Science of Exercise and the Brain, chama a esta molécula o « o milagre do cérebro ». « Alimenta quase todas as actividades que levam ao pensamento superior.»
Com exercício regular, o corpo fabrica os seus níveis de BDNF e as células nervosas do cérebro começam a ramificar-se, associando-se e comunicando umas com as outras de novas maneiras. Este é o processo subjacente ao conhecimento: todas as mudanças nas ligações entre as células do cérebro significam um novo facto ou uma nova capacidade que foram apreendidos e armazenados para uso futuro. O BDNF torna esse processo possível.
A maioria das pessoas mantém geralmente níveis constantes de BDNF quando atinge a idade adulta. Mas ao envelhecerem os seus neurónios começam lentamente a morrer. Até meados da década de 1990, os cientistas pensavam que a perda era permanente. Mas estudos realizados em animais na última década mostraram que na « neurogénese » em diversas partes do cérebro pode ser facilmente induzida pelo exercício. E estudos publicados recentemente na revista « Proceedings of National Academy of Sciences » estenderam pela primeira vez esse princípio aos humanos. Depois de realizarem exercício durante três meses, todos os indivíduos pareciam desenvolver novos neurónios; os que ganharam mais em capacidade cardiovascular também desenvolveram mais células nervosas. «Foi extremamente interessante verificar pela primeira vez este efeito do exercício físico nos seres humanos», diz scott Small, neurologista do Columbia University Medical Center, que foi co-autor do estudo como o neurobiólogo Fred Gage, do Salk Institute.
O Primeiro passo é descobrir exactamente onde é que as novas células cerebrais estão acrescer – e se é uma parte do cérebro que necessita de ser rejuvenescida. Na experiência de Small e Gage, os novos neurónios surgiram num único lugar: o giro do cíngulo do hipocampo, uma área que controla o conhecimento e a memória. Ver imagem. Esta região, localizada por baixo dos lóbulos, ajuda o cérebro a associr nomes a rostos – uma das primeiras capacidades a extingurem-se com a idade. Felizmente, o hipocampo é uma zona que reage especialmente bem aos efeitos do BDNF e o exercício parece recuperá-lo para um estado mais jovem. Não se trata apenas de uma questão de retardar o envelhecimento mas de reverter o processo, diz Arthur Kramer, psicologo da Universidade de Illinois. O trabalho de Kramer também tem implicações no que respeita aos lóbulos frontais, local do « funcionamento executivo » - um tipo de pensamento superior que envolve o processo de tomada de decisão, execução simultânea de tarefas e planeamento. Com a tecnologia associada à imagiologi, descobriu que o exercício leva a um aumento do tamanho dos lóbulos frontais. E em dezenas de estudos anteriores de homens e mulheres com mais de 60 e 70 anos, caminhadas rápidas e outros exercícios aeróbicos deram origem a melhorias da funcionamento executivo. Estes indivíduo tiveram melhor desempenho em testes de psicológicos, respondendo a perguntas com mais rigor e rapidez.
Tanto quanto sabem os cientistas, os novos neurónios não conseguem crescer em todas as zonas do cérebro. Mas as outras regiôes beneficiam indirectamente com o exercício físico de muitas maneiras. O volume de sangue, tal como o volume do cérebro, aumenta com o exercício, diz Small: « Onde quer que haja nascimentode células cerebrais, verifica-se o nasciemento de novos vaos capilares. » Adultos activos têm menos inflamações cerebrais. « Também têm menos derrames pequenos, que podem prejudicar a capacidade cognitiva sem que a pessoas se aperceba disso », diz Kristine Yaffe, da Universidade da California em São Francisco. Contudo, outros investigadores descobriram que os atletas têm mais astrócitos ou células que suportam os neurónios e actuam sobre a dispersão dos neurotransmissores depois destes serem utilizados para enviar mensagens de célula para célula. E mesmo os níveis de desses neurotransmissores são mais elevados em pessoas que se exercitam com frequência. « A dopamina, a serotonina oua norepinefrina – todos apresentam níveis elevados depois de uam sessão de exercício», diz Ratey. « Por isso, fazer exercício ajudará a concentrar-se, acalmar-se, a controlar a impulsividade – é como tomar um pouquinho de Prozac e outro de Ritalin. »
Estes efeitos adicionais aparecem quase de imediato. Se descermos do tapete rolante depois de meia hora de exercício, diz Hillman, dentro de 48 minutos» o nosso cérebro estará aem melhor forma. Mas tal como o peso, a boa forma mental tem de ser trabalhada. Os novos neurónios e as ligações, entre eles durarão anos, mas após um mês de inactividade « os astrócitos voltam a encolher e depois deixam de funcionar tão bem », diz William Greenough, psicólogo da Universidade do Illinois. Deixem o corpo ir, porque depois o cérebro segue-lhe o exemplo.
« Se pensa que por se exercitar aos 20 anos isso vai ter efeito sobre o que será aos 70, desengane-se », acrescenta Greenough, o melhor é estar disposto ao compromisso de frequentar o ginásio durante 50 anos.
A não ser que se trate de uma criança. Em crianças pequenas os efeitos ainda são amis potentes. Provavelmente, o exercício tem « um efeito mais duradouro sobre o cérebro que ainda se estão a desenvolver », diz Phil Tomporowski, professor de Ciência do Exercício na Universidade da Georgia. Nas crianças, tal como nos adultos, o hipocampo colhe muitos benefícios da exercício físico. Isto não constituiu surpresa para os pais de filhos com TDAH, muitos dos quais já recorreram à actividade física com substituto ou suplemento da medicamentos.
Até cerca dos 20 anos, as crianças não têm lóbulos frontais totalmente desenvolvidos, por isso « recrutam » outras partes do cérebro para executar as funções necessárias, incluindo as ligadas à aprendizagem. No exame feito por Hillman a alunos dos terceiro e quinto anos de educação Física, o exercício não acelerou apenas o funcionamento executivo mas uma grande variedade de aptidões, que vão desde a matemática à lógica, passando pela interpretação, todas mobilizando muitas zonas do cérebro. « Nas crianças, veremos uma quantidade tremenda de tecido cerebral em crescimento, particularmente no lóbulo frontal », diz Tomporowski.
Com base neste conhecimento, muitos educadores estão agora a pressionar para que seja feita uma reestruturação ao nível da Educação Física nas escolas públicas. Os professores podem garantir o sucesso dos seus alunos noutras matérias, argumentam eles, fazendo aulas de Educação Física mais longas e centradas em exercícios cardiovasculares de reforço cerebral Em escolas de Naperville, Illionois, os alunos com fracas aptidões verbais começaram a ter aulas de Educação Física imediatamente antes das aulas de interpretação. As suas notas, diz Ratey, já começaram a melhorar.
Se as crianças desenvolverem desde cedo o gosto pelo desporto, terão mais propensão para se tornarem adultos activos e assim evitarem um destino com que os seus avós se confrontam: um lento deslizar para a degradação cognitiva que precede a doença de Alzheimer. Segundo o neurocientista Gómez-Pinilla, estudos sugerem que as pessoas que fazem exercício pelo menos algumas vezes por semana tendem a desenvolver Alzheimer menos vezes que os seus parceiros mais sedentários. Há também pistas ao nível do cérebro: um dos primeiros alvos da doença é o hipocampo.
Mais controversa é a suposição de que o exercício pode abrandar a progressão do Alzheimer uma vez declarada. Mas existe uma ponta de esperança, descobertas no estudo de animais. Em ratos que desenvolveram uma doença semelhante ao Alzheimer, formou-se no cérebro um tipo de placa idêntica à encontrada nas pessoas. Carl Cotman, neurologista da Universidade da California em Irvine, examinou esses ratos em 2005 e decobriu que os que passam mais tempo a correr nas roda tinahm melhores resultados nos testes de memória. Também apresentavam níveis inferiores de placa no cérebro, possivelmente, diz ele, « porque o exercício os leva a produzir menos placa e a eliminar uma parte dela ».
Esse facto suscita uma interrogação: se o exercício é um remédio tão bom, será que os cientistas poderão um dia sintetizar os seus efeitos benéficos para o cérebro numa formula química – uma espécie de « comprimido para fazer ginástica»? O resultado pode acabar por se parecer com muitos medicamentos que os cientistasestão a desenvolver para reforçar a memória dos doentes com alzheimer. Iria certamente atrair também pessoas que não estão dispostas a arrastar-se até ao ginásio dia sim dia não. « As pessoas não têm força de vontade suficiente » diz Ratey. Querem ver os resultados imediatos e sem perda de tempo e não estão para sofrer em cima de um tapete rolante.» Small, o investigador de columbia, diz que muitos colegas de laboratório começaram a praticar exercício em consequência dos resultados do seu estudo.
Mas os cientistas ainda têm muitas perguntas sem resposta. A principal é porque razão alguma formas de exercício muito mais o cérebro do que outras. A maioria dos investigadores centrou-se no exercício aeróbico « e ignorou o treino de resistência », diz Carole Lewis, fisioterapeuta e co-autor do livro Age-Deying Fitness. « Estudos que analisaram alongamentos, tonificação e levantamentos de peso descobriram poucos ou nenhuns efeitos sobre a capacidade de cognição.

Artigo publicado na revista Unica do semanário Expresso de 28 de Abril de 2007
http://www.appefis.org/noticias_detalhes.asp?codnoticia=1410&inicio=50

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