Ontem atendi muitas pessoas com a dificuldade de viver com os dados da realidade. Nada é mesmo por acaso, porém temos que ter uma dose sensata.
Não podemos supor que sabemos tudo, que tudo que acontece é premeditado pelo outro.
Há pessoas que supõem tudo, certo ou errado, mas estão o tempo todo a supor que o outro pensa isto, que se a pessoa disse isto é porque estava já a pensar naquilo e, com isto perdem a beleza de alguns momentos da vida.
E, mais, há pessoas que confundem este hábito de pressupor com beleza da intuição. Intuir não é fazer filmes mentais.
Deixo aqui esta metáfora que é interessante para quem tem o hábito de pensar que sabe tudo e pode pressupor a vontadinha.
Abriu a porta e viu uma pessoa amiga que há muito não via. Estranhou que ele viesse acompanhado de um cão. Cão forte, saltitante e com ar agressivo. Cumprimentou o amigo efusivamente.
- Quanto tempo!
- Quanto tempo – ecoou o outro.
O cão aproveitou a saudação e entrou casa adentro. Logo um barulho na cozinha demonstrava que ele tinha virado qualquer coisa. O dono da casa encompridou as orelhas. O amigo visitante, porém, nada comentou.
- A última vez que nos vimos foi em... e a conversa continuava animada.
O cão passou pela sala, entrou no quarto, e novo barulho, desta vez de coisa quebrada. Houve um sorriso amarelo do dono da casa, mas perfeita indiferença do visitante.
- Há um tempo atrás encontrei com... você se lembra dele?
O cão saltou sobre um móvel, derrubou um objecto, logo trepou as patas sujas no sofá e deixou a marca digital e indelével de seu crime. Os dois amigos, tensos, agora fingiram não perceber, sem saber exactamente o que deviam fazer.
Por fim, o visitante despediu-se e já ia saindo quando o dono da casa perguntou:
- Não vai levar o seu cão?
- Cão? Ah, cão! Não é meu não. Quando eu entrei, ele entrou comigo tão naturalmente que pensei que fosse seu.
Do livro: Histórias da Tradição Sufi - Editora Dervish
Sem comentários:
Enviar um comentário