Como será a ciência dentro de 50 anos? O quanto avançará o conhecimento? Conseguiremos elucidar nossas principais ignorâncias atuais? Qual será o papel da ciência nesse futuro? Um interessante artigo de Sir Jonh Maddox, físico teórico inglês e famoso como editor-chefe da revista Nature, uma das principais publicações científicas do mundo, foi publicado a esse respeito na revista Scientific American deste mês.
Embora as perguntas sejam muito interessantes, o artigo de Sir Maddox decepciona um pouco porque ele preferiu fazer um "catálogo de ignorâncias", ou seja, ele lista as grandes áreas sobre a qual o conhecimento é ainda altamente incerto, na esperança de que essas áreas estejam em grande parte elucidadas na metade do próximo século. É difícil ter uma bola de cristal que enxergue tanto tempo no futuro assim. Mas, se acreditarmos no poder da ciência, e se testemunharmos os progressos inacreditáveis obtidos neste século, especialmente na segunda metade; é inevitável que sejamos otimistas e que acreditemos que chegaremos a reduzir nossas maiores ignorâncias. Aliás, a melhor definição de conhecimento é justamente essa: qualquer coisa que reduza nossa ignorância a respeito de algo!
E quais são nossas principais ignorâncias? Sir Maddox cita duas grandes áreas: uma é o cérebro humano, a mais complexa entidade do mundo natural. Sabemos muito sobre os mecanismos básicos de funcionamento do cérebro, como os neurônios, as sinapses, circuitos neurais simples, como reflexos, etc. No entanto, não sabemos praticamente nada sobre como se organiza a memória, a consciência, o pensamento, os sentimentos, o raciocínio, e outras funções ditas superiores, que caracterizam e diferenciam o ser humano em relação aos outros animais. Como não é possivel eticamente fazer experimentos biológicos com seres humanos, a nossa ignorância sobre as bases neurais de tudo isso ainda vai durar muito tempo, pois podemos apenas inferir as funções cerebrais superiores indretamente (usando imagens, por exemplo, ou observando o efeito de lesões patológicas sobre elas). Outro motivo para duvidar que nos próximos 50 anos sejamos capazes de deslindar o funcionamento das funções intelectuais superiores é a enorme complexidade do sistema nervoso, para a qual ainda não existem métodos adequados de estudo. Imaginem, por exemplo, a quantidade de neurônios e a complexidade de computações cerebrais que são necessários para saber de cór e executar um concerto para piano e orquestra de Rachmaninoff. São bilhões e bilhões de neurônios, treinados ao longo de anos de prática, espalhados por todas as regiões do cérebro, e trabalhando em harmonia para produzir um resultado de uma complexidade inimaginável. Muitos filósofos colocam inclusive a dúvida se um cérebro é capaz de entender a si mesmo algum dia. Talvez a complexidade estrutural e funcional do nosso cérebro seja tão grande, que jamais poderemos entendê-la: seria necessário ter um cérebro mais desenvolvido para isso. Poderemos eventualmente entender a complexidade do cérebro de um sapo, mas nunca de nós mesmos…
Uma área biológica em que parece haver pouca dúvida que será conquistada integralmente é a da genética molecular, ou seja, o desvendamento final e total do genoma humano e de milhares de outras espécies vivas. Esse é um caminho para o qual já se possue métodos adequados de investigação científica, e que tem um destino conhecido, sendo apenas uma questão de tempos e de recursos. As conseqüências serão imensas, para todas as áreas do saber humano que têm a ver com o biológico, da agropecuária aos medicamentos, da psicologia à exploração espacial. Os microfenômenos de regulação celular, de desenvolvimento embrionário e de crescimento, de diferenciação, transmissão de informação, comunicação intracelular e muitos outros, serão completamente entendidos em menos de 50 anos. Órgãos completos poderão ser obtidos a partir de uma simples célula tirada do corpo de um indivíduo, e usada para "autoplantes" sem perigo de rejeição.
Na física, um mistério ainda até hoje não solucionado (mas que se acredita que se vá solucionar em menos de 50 anos) é o da Teoria Unificada Geral (GUT: Grand Unified Theory), também chamada de TOE (Theory of Everything), ou seja um arcabouço teórico que abranja todos os fenômenos conhecidos do mundo físico, da mecânica quântica à mecânica relativística, das partículas sub-atômicas às moléculas, e das forças intranucleares à força gravitacional. Esta era uma aspiração do grande fisico Albert Einstein, que morreu sem conseguir realizá-la, e até o contrário: ele rejeitava como ilógica e estranha a teoria quântica que forma hoje a base inabalável do nosso conhecimento sobre o mundo atômico, e que foi criada por vários físicos que eram seus amigos.
Especialmente incômodo para a física, segundo Sir Maddox, é o abismo que existe entre as teorias do mundo atômico e sub-atômico (escalas muito pequenas), e o mundo físico das grandes distâncias e velocidades, das transformações radicais do Big Bang, que é a teoria da relatividade de Einstein. O mundo intermediário (que é o que vivemos, e que constituem os fenômenos que alcançam nossa percepção, e que são responsáveis pelo surgimento da vida) tem poucas conexões com os mundos quântico e relativístico. Compatibilizar todas elas será um dos grandes desafios do próximo século. Mas não temos dúvida de que o ser humano irá conseguir, como já conseguiu ultrapassar barreiras inacreditáveis do conhecimento científico. Seremos os senhores do nosso universo mais próximo!
Para Saber Mais
* Weinberg, S.: A unified physics by 2050? Scientific American, December 1999.
* Maddox, J.: The unexpected science to come. Scientific American, December 1999.
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