Em 1º de fevereiro, a população de Buenos Aires completou quatro meses de abstinência do cigarro. Em lugares públicos fechados, pelo menos. Desde 1º de outubro de 2006, a imagem dos cafés, bares e restaurantes onde as pessoas passavam horas lendo, fumando e conversando sem interfêrencia foi substituída por uma placa com os dizeres "proibido fumar". A determinação faz parte da lei n. 1799, sancionada em setembro de 2005 e vigente somente na capital.
Feita em três etapas, a regulamentação começou nos escritórios do serviço público e estabelecimentos de saúde e educação, onde não se pode fumar desde 1° de julho. Há quatro meses, foi a vez dos espaços fechados, onde se encaixam os cafés e restaurantes, além de salas de teatro, casas de internet, shopping centers, banheiros públicos, estações de metrô etc. Finalmente, em 1° de janeiro, foi proibida a publicidade de marcas de cigarros em outdoors, muros e placas de rua.
Segundo o presidente da União Antitabagista da Argentina (Uata), Diego Leon Perazzo, a nova legislação tem dois propósitos: proteger os não-fumantes do cigarro nos estabelecimentos fechados e incentivar os adeptos do fumo a abandonarem a prática. A iniciativa se baseia em dados preocupantes do Ministério da Saúde. Na Argentina, onde vivem cerca de 30 milhões de pessoas, as mortes por doenças relacionadas ao cigarro chegaram a 40 mil em 2002. "Mas o agravante é que, dessas 40 mil vítimas, 6 mil eram fumantes passivos, que conviveram diariamente com o fumo por muitos anos", explica Perazzo, oncologista e clínico há quase seis décadas.
Para melhorar esses números, a cidade adotou medidas consideradas extremas de acordo com a população, principalmente a fumante. Para o docente Alberto Cuenca, de 50 anos, a lei discrimina quem fuma. "Podem nos proibir de fumar em alguns lugares, mas por que não permitem que haja lugares exclusivos para fumantes?", pergunta. Quando quer comer fora, Cuenca prefere escolher locais onde há mesas nas calçadas, uma alternativa encontrada pelos donos de restaurantes, pelo menos durante o verão, para permitir o fumo. Afinal, os estabelecimentos são responsáveis por impedir que um cliente fume, sob pena de multas que variam entre 500 e 2000 pesos (aproximadamente R$ 350 e R$ 1.400).
Apesar de a Associação de Hotéis, Restaurantes, Confeterias e Cafés ter anunciado que calculava uma perda de 25% no faturamento por causa da recente proibição, o esvaziamento dos estabelecimentos não parece ter se confirmado. Nos cafés maiores, as preocupações foram mínimas. O Tortoni, mais antigo do país, tem mais de 100 metros quadrados e, de acordo com a lei, tem o direito de reservar ate 30% do espaço para fumantes, contanto que haja uma divisão eficaz para evitar que a fumaça chegue às mesas para não-fumantes. Os menos famosos optaram pela prevenção. No Café Expresso, que fica a uma quadra do Tortoni, o dono afirma ter gastado US$ 30 mil (mais de R$ 60 mil) para reformar seu estabelecimento e dedicar o segundo piso aos clientes que preferem fumar enquanto comem, evitando que eles deixem de freqüentar o local.
Na pequena lanchonete La Nueva Martona, na movimentada Avenida Corrientes, encontrar uma cadeira no balcão na hora do almoço é tarefa quase impossível. "Não tive medo de perder clientes", afirma o dono do local, Paco Fernandez. "Esse é um lugar de boa qualidade, com chef internacional, e as pessoas vêm para cá por causa disso." O contador público Hugo Maceo não mudou sua rotina depois de 1º de outubro. Continua almoçando na lanchonete de Fernandez diariamente. A única diferença é que deixa para fumar o cigarro depois do almoço no escritório. "Lá eu posso fumar, porque o dono sou eu", conta.
Mesmo assim, ele critica a lei, que impede o fumo em qualquer lugar fechado que não seja privado, deixando só as calçadas como refúgio seguro para os amantes do cigarro. "Mas o argentino é um povo muito conformista", diz o contador, resumindo a reação geral da população, que não se opôs à mudança, e passou a fumar enquanto caminha pelas ruas. Como Sabrina Putierras, de 20 anos, fumante desde os últimos cinco. Enquanto se dirigia ao salão de cabeleireiros onde trabalha, tragava o último centímetro de um Marlboro. "É incômodo, mas respeito as pessoas que não fumam", afirma, saudosa dos dias em que podia se sentar em um bar para fumar tranqüilamente. "Se tenho vontade, saio pra rua, mas sei que parar de fumar seria o mais adequado."
A aceitação da lei supreendeu positivamente o lider da Uata, organização formada por 58 ONGs argentinas que agora reúnem esforços para pressionar o Congresso a aprovar a lei nacional antitabaco. "Esperamos que saia nos próximos meses, sem muitas mudanças dos deputados que defendem os interesses das empresas de cigarros", afirma o médico. Até agora, porém, elas não têm com que se preocupar, já que, entre janeiro e novembro de 2006, foram vendidos 124 milhões de maços de cigarros a mais que durante o mesmo período do ano anterior em todo o país. Perazzo ainda tem esperança de que isso mude, e afirma que a porcentagem da população fumante já diminuiu. Hoje, segundo o Ministério da Saúde, cerca de 36% dos argentinos mantêm o costume, em comparação com os 40% de alguns anos atrás.
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