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quarta-feira, 8 de março de 2006

DE MARIAS, AMÉLIAS E MADALENAS

DE MARIAS, AMÉLIAS E MADALENAS

da Autoria de Marina Silva

Eu acho que neste dia oito de Março, nossa abordagem tem que

ser em forma mais ou menos de uma poesia, porque a data é especial,

o momento é especial. Acho, também, que neste dia, talvez, a gente

procure falar mais com o coração, atacando um ponto que é fundamental

no ser humano, a sensibilidade, a alma. Para mim, tudo tem que ter alma.

Então vou tentar escrever para a alma das pessoas.

Dirijo-me hoje a todos os homens, muitos dos quais não entendem o
significado e a importância da data que agora comemoramos. Oito de Março é o
Dia Internacional da Mulher, e foi assim declarado para que não esqueçamos o
sacrifício das operárias americanas, que é a representação fiel das
dificuldades que temos atravessado ao longo dos séculos, sob o estigma de
uma suposta inferioridade.

Neste dia, em solenidades especiais, falam sobre nós, mulheres. Nossas
dificuldades, nossas conquistas, a importância que temos para o mundo. Falam
os homens mais importantes, com reverência e respeito. Falamos também nós,
com sincera indignação.

Aparentemente, este é o dia em que nós podemos falar. Mas não é bem
assim. Na verdade, nós falamos todos os dias. Somos até mesmo acusadas de
falar demais. Mas, infelizmente, não somos escutadas. Que este dia fique
sendo, portanto, um dia de recolhimento e receptividade. Um dia em que a
porção masculina da humanidade escute a sua outra parte. E todos nos
escutem.

Escutem o que temos dito em todos esses séculos, quando os soldados
saem para a guerra, deixando infelizes as suas próprias crianças e levando a
infelicidade para outras crianças em terras distantes. O que nós dizemos é
PAZ. Paz para que as flores e as crianças possam crescer no jardim, sem que
a espada de um inimigo venha cortar-lhes a vida antes de florescer.

Escutem o que temos dito em todos esses séculos, quando os que negociam
tornam o dinheiro mais importante que a saúde e o bem-estar. O que nós
dizemos é ALEGRIA. Alegria para que os nossos tesouros possam ser guardados
não no cofre, mas no coração.

Escutem o que temos dito em todos esses séculos, quando os que caem
treme de febre sob cobertores, vítimas de sua própria imprudência e
rebeldia. O que nós dizemos é CUIDADO. Cuidado para que a vida não seja um
jogo ganho ou perdido em um golpe, para que a decisão e a coragem não sejam
apenas disfarces para a falta de juízo.

Escutem o que temos dito em todos esses séculos, quando avarentos
recusam a moeda ao mendigo e o pão à criança nas ruas. Corações endurecidos,
o que nós dizemos é BONDADE. Porque de bondade é feita a verdadeira justiça,
e na balança dessa justiça, uma lágrima pesa mais que o pão e a moeda.

Escutem o que temos dito em todos esses séculos, quando os dominadores
fazem da política um clube para onde vão, usando máscara, deixando em casa a
família e os segredos. O que nós dizemos é SINCERIDADE. Porque política deve
ser a continuação da casa, verdade compartilhada, comunidade de ideias que
não precisam ser concordantes, basta que sejam honestas.

Escutem o que temos dito por todos esses séculos, quando os que se
julgam fortes carregam como troféu a ideia da superioridade: do homem sobre
a mulher, do branco sobre o negro e o índio, do adulto sobre a criança. O
que nós dizemos é IGUALDADE. Porque não existe superioridade a ser exercida,
mas diferença a ser respeitada. E porque o troféu da opressão é feito de
barro e banhado no sangue dos inocentes.

Escutem o que temos dito em todos esses séculos, quando os que se
julgam sábios se orgulham de dominar a Terra com a ciência e a arte de
queimar as árvores, matar os animais, sujar os rios, poluir o ar. O que nós
dizemos é HARMONIA. Porque todo domínio gera revolta e todos os destruidores
terminam por atingir a si próprios. E porque o verdadeiro progresso consiste
em navegar a favor do vento, das águas e da vida e nunca contrários à
natureza.

Escutem o que temos dito em todos os séculos, quando fomos espancadas,
humilhadas e ofendidas em nossas próprias casas, apedrejadas nas ruas,
queimadas nas fogueiras, vendidas nos mercados, escravizadas nos campos,
exploradas nas cidades. O que dizemos é RESPEITO. Porque, tanto quanto os
homens, nós construímos o mundo com nosso trabalho e o colocamos em
movimento com nossas ideias. Temos os mesmos direitos sobre os frutos que
foram regados com nosso suor e nosso sangue.

Escutem o que temos dito em todos esses séculos, quando os escolhidos
sorriem de prazer, fartos, saciados, banhados e vestidos, acariciados e
massajados, aquecidos e alimentados. O que dizemos é AMOR. Porque amor é o
que podemos dar e queremos receber. Porque fora do amor não há salvação e se
essa fonte um dia secar, morreremos todos de sede.

Escutem o que dizemos. Porque é verdade. Porque o rumo que a acção
humana tomou sobre a Terra está errado e precisa ser corrigido. Porque a
vida precisa ser inteiramente modificada. Porque o sentido de viver precisa
ser encontrado. E porque qualquer mudança só acontece quando se ouve a voz
que vem do coração nossa voz que, todo esse tempo, tem procurado fazer
ouvir sua poesia.

Eu gostaria de ter a poesia de todos os poetas, mas como não tenho, fiz
um modesto poema para traduzir, em versos, o amor que nós queremos. A
primeira parte dele é um lamento, mas a segunda parte é uma afirmação do
sentimento muito maior que a Humanidade pode ter. Vamos tentar falar de
Marias, de Amélias e de Madalenas:

No sofrimento somos Maria,
Mãe de um Deus assassinado.
Marias sem alegria.
Dor sem futuro ou passado.
Na renúncia somos Amélia, de uma triste verdade.
Amélias sem sonho, desejo ou vontade.
No preconceito, Madalena,
nas praças apedrejada.
Madalenas: ao pecado
e à culpa predestinadas.
Só no amor temos os nomes
e as formas de nossa estima;
velha mãe, jovem formosa
e, eternamente, menina.

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