Outubro de 2007. Nova Lima, Minas Gerais. Era para ser mais um entre tantos congressos que o empresário Guido Bretzke estava acostumado a participar. Aos 39 anos, o herdeiro da Bretzke Alimentos e presidente da GPS Gestão Empresarial - empresa que comanda as operações da Bretzke e da Sasse Alimentos, ambas de Jaraguá do Sul (SC) - viu sua vida mudar de uma hora para a outra. Por mais incrível que possa parecer, para melhor. "No coquetel de final do dia, o garçom foi repor álcool no rechaud, e eu estava me servindo. Quando abri os olhos, só vi aquele azul do fogo... nem sabia que era eu que estava queimando", conta Guido.
Hoje, ele relata com bom-humor que a primeira coisa em que pensou foi sair correndo do local, mesmo machucado, "porque tinha uma agenda repleta de compromissos". A insana vontade logo foi substituída pelo medo de morrer. "Pensei: pronto, vou pro hospital e, em dois ou três dias, entro em coma e morro", diz ele. Nem dois, nem três. Guido ficou internado em Belo Horizonte por 16 dias, recuperando-se das sérias queimaduras que atingiram 15% de seu corpo - especialmente o rosto.
No hospital, Guido Bretzke viu sua rotina mudar radicalmente. O ritmo alucinante de viagens e compromissos havia sido interrompido de maneira brusca. Ele, que capitaneava todos os passos da GPS na administração da Bretzke e da Sasse, viu-se obrigado a deixar que o barco fosse tocado apenas por seus subordinados. "No hospital, eu tinha laptop, me comunicava via Messenger, já que por telefone não podia porque havia queimado as orelhas, mas eu nem trabalhei, era só bate-papo, a equipe assumiu a coisa toda", conta. Funcionários, parceiros e clientes foram orientados a não enviar nem mesmo e-mails a ele. A primeira impressão, conta, foi de receio: "De pronto, me questionei como é que fulano vai comprar um caminhão sem me consultar". Mas a insegurança durou pouco tempo. A confiança nas pessoas com quem trabalha acabou falando mais alto. "A cada dia, descubro situações que eles acabaram administrando, porque sabiam o caminho que a empresa tinha que seguir, as estratégias, os valores. Houve todo um cuidado da equipe para me manter afastado das operações", revela.
Guido conta que retornou para Jaraguá do Sul transformado. Depois de ver que tudo corria bem durante sua ausência, decidiu dar uma guinada no modus operandi. "Definitivamente, mudei minha agenda". Quando recuperado, o empresário aceitou um convite para assumir a presidência da Associação Comercial e Industrial de Jaraguá do Sul. "Passei a delegar mais, cobrar mais e executar menos. Minha vida ficou mais organizada e consigo fazer muito mais coisas do que fazia antes", diz ele.
Ir à academia diariamente. Treinar para a corrida de São Silvestre - sim, Guido já participou de cinco edições, inclusive no ano passado, apenas dois meses depois do acidente. Liderar uma associação empresarial. Aproveitar as férias junto à família. Comandar uma empresa fatura mais de R$ 100 milhões por ano e têm cerca de 2 mil funcionários. Depois da "explosão", Guido diz que passou a arranjar tempo para todas estas coisas. "Consolidei um desejo que todo manual de gestão de tempo apresenta, mas muito pouca gente consegue transformar a teoria em prática", orgulha-se.
Ensinamentos que vão além
Luterano, o religioso Guido Bretzke diz que seu acidente não veio ao acaso: "Sinto-me abençoado por ter sido queimado, minha vida mudou tanto". É verdade. Como se não bastasse a guinada no modo de trabalhar e de encarar os fatos, o empresário está usando sua rede de contatos profissionais para levar uma causa social adiante: evitar acidentes domésticos.
A idéia, ele conta, surgiu de uma conversa com o cirurgião plástico Carlos Eduardo Leão, quando ainda estava internado no hospital em Minas Gerais. O médico relatou a Guido que, no Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas sofrem acidentes domésticos por ano, e que, no geral, metade destes acidentes são fáceis de serem evitados. "Ele me disse que queria fazer uma cartilha para conscientizar as crianças, prevenir estes acidentes", explica. Com a idéia incrustada em sua mente, pouco tempo depois de recuperado, Guido Bretzke comentou o fato com alguns amigos empresários durante uma reunião da YPO (sigla em inglês para Associação de Jovens Presidentes), uma associação sem fins lucrativos que reúne donos e presidentes de algumas das maiores empresas do mundo.
Na mesma hora em que Bretzke discorria sobre a idéia do cirurgião plástico, Giem Guimarães, presidente da Posigraf, se comprometeu em imprimir gratuitamente as cartilhas. Já Giuliano Donini, da Marisol, garantiu a fabricação de camisetas da campanha - também sem custo algum. Com meio caminho andado, Guido foi até o médico Leão, que, por meio de um amigo, chegou ao cartunista Maurício de Sousa e conseguiu os direitos autorais dos personagens da Turma da Mônica para ilustrar os gibis.
De saída, foram confeccionados 50 mil. O número logo foi multiplicado por trinta, quando o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, comprou 1 milhão de cartilhas e o governo de Santa Catarina encomendou mais 600 mil. Bretzke e os outros empresários vibraram. O projeto, que, inicialmente, previa a impressão de 1,2 milhão de gibis em dois anos, em bem menos tempo chegou a quase 2 milhões de unidades. "Uma pessoa queimada custa para um hospital R$ 30 mil, valor esse que paga 75 mil cartilhas", explica.
Além de querer levar suas cartilhas "a todo mundo", Guido Bretzke já confabula a fundação de uma ONG voltada à prevenção de acidentes domésticos. "O projeto está apenas em gestação, mas tem que sair meio logo para que a idéia não morra", diz, esperançoso na busca de parceiros para tocar a nova empreitada.
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