Uma pesquisa feita pelo psiquiatra Alaor Santos Filho, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, coloca em discussão os atuais critérios utilizados para caracterizar se uma pessoa tem ou não Transtorno de Ansiedade Social (TAS), a chamada Fobia Social.
"Após analisar mais de 2 mil pessoas, por meio de entrevistas diagnósticas e preenchimento de algumas escalas, nos parece necessário e oportuno avaliar de forma criteriosa os sistemas atuais de classificação e diagnóstico que determinam o Transtorno de Ansiedade Social, no sentido de considerar dentro desse diagnóstico também as pessoas com quadros subclínicos, uma vez que estes apresentam comprometimento devido à ansiedade social", afirma Santos Filho.
Ansiedade social - Segundo o pesquisador, atualmente a ansiedade social é entendida como um transtorno psiquiátrico, como uma patologia, quando há medo excessivo, persistente e irracional de uma ou mais situações sociais ou de desempenho.
"A exposição às situações temidas quase que invariavelmente provoca ansiedade, há sofrimento importante e a pessoa busca evitar essas situações quando possível. Porém, partindo do princípio que algum grau de ansiedade para situações sociais e de desempenho é algo que faz parte da vida de todas as pessoas, talvez as que não preencham todos esses requisitos, mas têm um temor acentuado de situações sociais ou de desempenho, também mereçam atenção e eventualmente tratamento", diz Santos Filho.
Medo excessivo - Atualmente as pessoas que têm medo excessivo de uma ou mais situações sociais, mas não apresentam todos os requisitos para serem diagnosticadas com TAS, são classificadas como subclínicas.
Os achados da pesquisa foram que o grupo subclínico para o TAS apresenta, com freqüência, outros transtornos psiquiátricos simultâneos como depressão, por exemplo - quase sempre seguido de outros transtornos ansiosos, como fobias específicas e transtorno de ansiedade generalizada - e abuso ou dependência de álcool.
Isso leva a um maior comprometimento de seus relacionamentos sociais, na escola, namoro, família, amizades, trabalho, ou atividades do dia-a-dia, quando comparados com grupo controle, aqueles sem diagnóstico de Ansiedade Social.
Abordagem dimensional - Segundo o pesquisador, o conhecimento atual sobre o TAS foi quase todo construído baseando-se nos limites diagnósticos desse transtorno, ou seja, o paciente para receber esse diagnóstico precisa preencher todos os critérios.
A proposta da sua pesquisa é que na abordagem dimensional o TAS seja conceituado como um continuum de gravidade e não como um transtorno categórico, sim ou não. "Na abordagem dimensional é como se fosse uma régua, a pessoa pode estar nos extremos, que seria a ausência do transtorno de um lado e o caso muito grave de outro, mas também em qualquer ponto intermediário. É a forma que consideramos a mais adequada para classificar o TAS", enfatiza.
Incapacidade e sofrimento - A mostra composta por mais de 2 mil pessoas foi dividida em três grupos: com diagnóstico de TAS, o grupo chamado subclínico, e o grupo controle - aqueles sem diagnóstico de TAS. O grupo subclínico apresentou significativa presença de comorbidades, transtornos psiquiátricos simultâneos, quando comparados aos indivíduos do grupo de controle.
"Dos sujeitos com TAS, 71,6% apresentaram simultaneamente outros transtornos psiquiátricos, as chamadas comorbidades, como depressão e dependência de álcool e drogas, por exemplo. Já no grupo com diagnóstico subclínico, essa porcentagem é de 50%".
A pesquisa revelou, ainda, que a presença simultânea de outros transtornos foi progressivamente maior de acordo com o subtipo e a gravidade do TAS, com taxas dos sujeitos subclínicos ocorrendo de modo intermediário. "Os sujeitos com TAS parecem ter chance significativamente aumentada de apresentarem um ou mais transtorno mental concomitante e o grupo subclínico também apresentou considerável incapacidade e sofrimento, com significativo prejuízo psicossocial e taxas de comorbidades com outros transtornos psiquiátricos aumentadas, o que os diferencia dos sujeitos controles", avalia.
Pacientes "normais" - Santos Filho lembra que, pelas definições atuais, os pacientes considerados subclínicos são "normais" quanto ao TAS. "Uma das mais importantes implicações dos achados da pesquisa é que a partir do momento que as pessoas com ansiedade social subclínica forem entendidas como um grupo à parte vai ser possível estudar e estabelecer alternativas de intervenção e prevenção."
O pesquisador diz, ainda, que o TAS é incapacitante, embora seja sub-reconhecida. Sua característica é a ansiedade frente a situações sociais em que a pessoa sente que está sendo observada por pessoas fora de seu ambiente familiar, como falar em público, por exemplo.
"É um dos transtornos psiquiátricos mais comuns, com prevalência ao longo da vida entre 7% e 13%, e a idade média de início está entre 11 e 19 anos. Pacientes com TAS apresentam, entre outras, tendências a pior desempenho escolar, nível de renda mais baixo, susceptibilidade a ficar desempregados e mais dependentes dos sistemas públicos de assistência", afirma.
Segundo o pesquisador, o diagnóstico e a intervenção precoces podem prevenir o desenvolvimento de outros transtornos psiquiátricos, como depressão, transtorno do pânico, agorafobia, e abuso de substâncias particularmente álcool. "Comumente o uso do álcool começa como uma tentativa de automedicação, por isso a necessidade de rediscutirmos os critérios e diagnóstico e tentarmos iniciar o tratamento o mais cedo possível", conclui.
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