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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Provocação - Luis Fernando Veríssimo

PROVOCAÇÃO
Luis Fernando Veríssimo

A primeira provocação ele agüentou calado. na verdade, gritou e esperneou.
Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados
por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.

A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da
mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso.

Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta
de atendimento. não gostou nada daquilo. Mas ficou firme.

Era de boa paz.

Foram lhe provocando por toda a vida.

Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da
roça. Mas aí lhe tiraram a roça.

Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que
era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que
estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.

Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma
submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando
em fila. E a ajuda não ajudava.

Estavam lhe provocando.

Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça. Ouvira
falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a
idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa.
Terra era o que não faltava.

Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a
terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu
que era provocação. Mais uma.

Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para
valer. Garantida.

Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse
conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais
disposto a aceitar provocação.

Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no
próximo ano... Então protestou. Na décima milésima provocação, reagiu.

E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:

VIOLÊNCIA NÃO!

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